Exposição | “Aterrar, ou Das coisas que regressam à Terra” de Sirena | 18 fev a 18 abr

Aterrar, ou Das coisas que regressam à Terra, é uma exposição tanto quanto um axioma; evidência do iminente “tocar a terra com a ponta dos pés”, ou com o corpo inteiro, após um salto áspero demais; “O meu corpo cai, se desfaz como um aglomerado de areia, ou um amontoado de sal que se dissolve em chuva branda. Meu corpo escorre sal, areia e nuvem”. O aterrar mostra-se a mim após o Desterramento, exposição realizada em 2021, quanto achei que dizia sobre algo que foge desta Terra, algo da desconexão, da desordem, da solidão, era, entretanto, uma fuga minha de mim; após ser minha única companhia durante os meses mais brutos da pandemia, em uma terra distante da minha, separada por um oceano, encontro refúgio na Ilha da Madeira, e eu, que só queria colocar o pés naquele pedaço da conhecida fina terra vermelha, sou absorvida pela espessa areia negra. Enfim percebo: só se foge da Terra regressando à terra.

Esta exposição escreve-se em dois tempos, ainda que me soe estranho o plural do Tempo: não existe uma distinção clara onde o primeiro ato termina e o segundo começa; mesclam-se num desengonçado ritmo de perpétua construção enquanto destroços, encontro-me soterrada em monumento feito de ruína e esboço, aquilo que determina, delimita e limita este trabalho é precisamente a única coisa que consigo ver com nitidez: fronteiras. Fiz-me, enquanto artista, enquanto pesquisadora, enquanto escritora na angústia, na ausência, na saudade, no cansaço, cansaço de carregar a minha casa em cima dos ombros enquanto deveria estar abaixo dos meus pés. Fiz-me nas fronteiras, na fila da imigração, no olhar do céu pela janela de um avião, nas senhas do SEF, no número do título de residência; mas fiz-me também no olhar delicado e dedicado de quem busca reconhecer o desconhecido. As tão aclamadas metáforas artísticas esvaem-se, pouco se fazem presentes em Aterrar; clamo pela literalidade nesta exposição. Digo sobre fronteiras estipulando fronteiras: cruas ou nebulosas, delimitadas ou amansadas, no contraste das cores, através das manchas de aquarela, das linhas que se contorcem sobre si em afago estático, do ondulante movimento do mar que sussurra aconchego.

Sirena